sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

ALMA PENADA

         Márcia regressara há alguns meses atrás do estrangeiro e vivia, agora, com os seus pais, numa pequena aldeia do concelho de Amares.
         A casa onde moravam era uma casa já com alguns anos e nela tinha morado outra família anteriormente.
         Quando chegaram do estrangeiro, trataram logo de a mobilar e lhe dar o conforto de que precisavam.
         Na sala de jantar dessa casa havia um pequeno e antigo relógio de cuco, que a família decidiu manter, porque foi o único objecto da casa que encantou toda a gente.
         Dia após dia a vida daquela família entrava numa nova rotina, depois de tantos anos passados fora do país.         
         Márcia frequentava agora a Escola E. B. 2 / 3 de Amares. E nem imaginam em que turma estava!? Pois claro, no 5º C. A turma dos nossos conhecidos amigos de outras aventuras.
         As aulas tinham começado há já algum tempo e, por vezes, Márcia surgia com um ar cansado, diria até intrigante!
         Mas toda a gente pensava que era por ainda estar a habituar-se aos novos amigos, à nova escola e aos novos professores.
         E assim foram passando os dias, uns atrás dos outros, sempre marcados e controlados pelos donos do tempo: os relógios.
         Certo dia, estava Márcia na aula de Área de Projecto, com a professora Clara Ferreira e o professor David Carpinteiro, e o seu semblante escondia algo fora do normal.
         Até que a dada altura, enquanto o André, a Paula e o Américo falavam da história da Maria Gancha, Márcia sentiu que era o momento de falar do que a andava a atormentar.
         A turma inteira fez silêncio como que adivinhando o que aí vinha.
         Então Márcia, num ímpeto diz:
         - Em minha casa anda uma alma penada!
         - Aaaaaahhhh! – exclamaram todos a uma só vez.
         - Vá! Não digas asneiras! – retorquiu a professora Clara.
         Mas Márcia, muito seriamente, acrescenta:
         - É verdade stôra! Quase todos os dias, quando estamos a jantar na sala, ouvimos um barulho estranho. Parece que está alguém a bater debaixo da mesa: toc…toc, toc…toc – concluiu Márcia.
         Tudo isto parecia muito surreal ao professor David que questionou se não seriam estalidos da madeira.
         E a conversa continuou, com toda a turma a adiantar terríveis palpites.
         No seguimento da conversa, Márcia esclareceu que o senhor que tinha morado naquela casa, antes da sua família, tinha lá morrido e que agora era o seu fantasma que andava lá em casa a incomodar toda a gente.
         Mal ouviram falar em fantasma, Leonor e Mariana soltaram um enorme grito, que até a Dona Bernarda se assustou.
         E os dias foram passando… passando…
         E a história da Márcia não saía da cabeça de ninguém!
         Será que já estavam todos possuídos pela alma penada que habitava a casa da Márcia?
         - Toc…toc, toc…toc!
         E Márcia continuou esclarecendo os colegas do que realmente acontecia em sua casa.
         Todas as hipóteses já tinham sido postas e, por isso, era convicção da família que todo aquele assombramento se devia à alma penada do falecido, que tinha lá residido.
         Provavelmente tinha saudades da sua antiga morada.
A família da Márcia já tinha até ponderado vender aquela casa e ir morar para outra, mas gostavam tanto dela, que sentiam pena ter que a abandonar.
         Decidiram então tirar todas as dúvidas e chamaram os técnicos de construção civil para analisarem se não havia qualquer problema na construção da casa que provocasse tão estranho barulho, que ouviam todos os dias:
         - Toc…toc, toc…toc.
         Os técnicos concluíram que não havia qualquer problema estrutural com o edifício.
         E o que fazia agora a família da Márcia?!
         Não desistiram e chamaram então um padre para lhes abençoar a casa, na esperança de terem sossego. E assim foi. O padre da aldeia passou por lá e abençoou a habitação. Mas…
         Nada! Rigorosamente nada!
         Todos os dias o mesmo som:
         - Toc… toc, toc… toc.
         Cada vez mais o desespero tomava conta daquela família.
         Cansados de tudo aquilo tomaram a decisão de se irem embora, por causa daquele:
         - Toc…toc, toc…toc.
         Mas mesmo assim insistiram, ainda, em contactar um cientista, um mágico, um sábio …
         E todos lá foram presenciar ao tão assustador:
         - Toc… toc, toc… toc.
         E nada concluíram! Ninguém sabia de onde vinha tão estranho barulho. E todos estes homens da ciência que não acreditam em nada do paranormal, começavam a acreditar que naquela casa havia uma alma do outro mundo.
         Perante tais sabedoras conclusões, os donos da moradia resolveram, por fim, contratar um bruxo para lhes resolver o problema. E assim foi.
         O bruxo foi lá a casa e mal entrou, começou a sentir as forças do outro mundo. E de imediato diz:
         - Nesta casa mora uma alma do outro mundo e vem cá, porque tem fome e precisa de comer!
         Rapidamente o bruxo procedeu às suas rezinhas, juntamente com os seus rituais exorcistas para enviar a alma penada para outro lado. Espalhou uns esbranquiçados pozinhos pela casa e aconselhou a família a deixar um prato de comida em cima da mesa para que a alma do outro mundo matasse a fome. E garantiu-lhes que no prazo de um mês a casa ficaria em sossego para sempre, livre de qualquer espírito.
         Perante tais evidentes conclusões, a família da Márcia dispôs-se então a permanecer lá mais algum tempo. E cumpriam religiosa e escrupulosamente tudo o que o bruxo lhes dissera.
         Mas todos os dias o mesmo barulho:
         - Toc…toc, toc… toc.
         Até que passou um mês e ansiosa a família da Márcia esperava ter enfim o sossego que merecia.
         Mas…
         Afinal nada mudou naquela casa. Só pratos de comida que ninguém comeu e:
         - Toc… toc, toc… toc.
         Enquanto a Márcia contava estas histórias, o Sandro perguntou:
         -E se nós fôssemos a tua casa ver o que se passa?
         - Não! – respondeu de imediato a Diana toda assustada.
         E como já sabem foi discussão, da boa, entre todos, uns a favor, outros contra, uns cheios de bazófia, outros a roer as unhas de medo.
         Mas chegaram a um veredicto:
         - Vamos à casa da Márcia tirar a alma penada de lá – informou a Cristina.
         Aprazaram o dia e organizaram ao pormenor a visita, como se de uma verdadeira expedição ao outro mundo se tratasse.
         E no dia combinado lá estavam eles preparados para a grande aventura. E seguiram até à casa da sua colega Márcia.
         Quando chegaram à morada da Márcia, a Emília tremia que nem uma vara verde, inundada de medo. E o João já não queria continuar aquela aventura.
         - Eu fico cá fora a vigiar – dizia ele.
         Mas não. Ninguém podia ficar à porta da habitação. Todos tinham de entrar, como ficou decidido.
         A Márcia abriu calmamente a porta e todos, cheios de medo, entraram.
         Percorreram o edifício todo e nada de estranho aconteceu. Até que de repente se ouve:
         - Toc… toc, toc… toc.
         Foi uma gritaria geral! O Rui desata a fugir e tranca-se numa casa de banho. O Leonel atira-se, literalmente, para debaixo de uma mesa e fica lá a tremer. E a outra Márcia, desorientada, amarra-se à Cristina e ficam ali as duas, imóveis.
         E o Sílvio? Onde estava o Sílvio?
         O Sílvio estava especado no meio da sala a olhar para o relógio de cuco, sem se ter apercebido de nada.
         Instantaneamente todos se recompuseram e o Rui saiu da casa de banho. Beberam um copo de água e conversavam agora sobre o que afinal havia na casa da Márcia. Ninguém estava de acordo com ninguém, obviamente! E até já falavam de outras coisas.
         E o Sílvio continuava a admirar o relógio de cuco.
         - Sabem – diz ele – o meu avô também tem um relógio destes. Podemos ficar aqui mais um pouco para ver o cuco a dar horas?
         - Ok! – responderam todos.
         - Nós também queremos ver o cuco – concluíram.
         O assunto dos barulhos estranhos já estava ultrapassado, esquecido. Era algo que não podiam resolver. E agora só faziam tempo para verem o cuco dar horas.
         Conversa puxa conversa e lá estava o 5º C todo animado na casa da Márcia.
         Cerca de uma hora depois e enquanto conversavam distraída e alegremente, ouve-se inesperadamente:
         - Toc… toc, toc… toc.
         Instantaneamente ficaram todos mudos e petrificados no meio da sala.
         E mais uma vez o Sílvio, que não se apercebera de nada, interrompe o gélido silêncio:
         - Já são quatro horas e o cuco não saiu.
         - Pois não – disse a Márcia da casa – nem vai sair, porque o cuco está avariado. Só dá para ver as horas – concluiu.
         O Sílvio, como se achava um entendido em relógios de cuco, pegou numa cadeira e pôs-se junto do dito, para ver o que se passava com o cuco.
         O tempo foi passando e já eram quase cinco da tarde, quando o Sílvio terminou a sua perita análise dizendo que devia haver algum problema com as portinhas do relógio por onde devia sair o cuco. Deviam estar encravadas.
         E chegaram as cinco da tarde!
         E novamente uma gritaria infernal, por causa do já famoso:
         - Toc… toc, toc…toc.
         E no meio daquele histerismo todo, remata o Sílvio, abstraído de tudo à sua volta:
         - Afinal o barulho que se ouve é do cuco a querer sair do relógio.
         E todos ficaram pasmados, olhando para o Sílvio, com a sua brilhante conclusão.
        Afinal na casa da Márcia não havia nenhuma alma do outro mundo, apenas a alma penada de um cuco que dentro do seu relógio batia com o bico na porta de madeira, de hora a hora:
         - Toc… toc, toc… toc.
         E assim se desvendou o mistério dos estranhos barulhos que possuíam a casa da Márcia.


David Carpinteiro e alunos do 5º C da Escola E.B. 2/3 de Amares - Ano Lectivo 2009/2010

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